quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Como se atreve?

Um novo bebê chega à grande casa de crianças. Seu nome, escolhido às pressas e à revelia daquela que o pariu, vem junto do nome dela, mais familiar do que se gostaria. Ser mãe, dizem uns, é uma dádiva. Já outros dizem que é um talento. Fala-se até de perfil, como se fosse uma vaga de emprego - o mais importante dentre os que há na vida, dizem ainda.
Ela, usuária de drogas, certamente não tinha o perfil, e aqui essas pessoas estão erradas por princípio, até que se prove o contrário, se for possível fazê-lo. A criança, mal nascida, chega já com uma história obscura que denunciava aquela que se propunha a tornar-se mãe sem poder sê-lo.
"A genitora, viciada em crack, queria vender o filho ainda no ventre para comprar drogas". A futura mãe, compradora do futuro filho, até então aparentemente não questionava tal imoralidade. A futura mãe acompanhava todo o pré-natal e pagava o que tivesse que ser pago para finalmente ter seu filho. Ela tinha certeza de que tinha o talento e que merecia essa dádiva que não cabia à outra.
A criança nasce e a genitora declara ser mãe, desfazendo qualquer acordo. Não se sabe se pelo cheiro, se pelo toque, se pelo olhar ou se sempre fora uma estratégia dela que queria sair da rua, que queria abrigo e cuidado para se preparar para o novo momento da sua vida. Bem sabia ela que não tinha o tal perfil, talvez, mas fora denunciada em seu intuito de vender seu bebê: drogada, viciada, egoísta... como ela se atrevia em desejar ser mãe, esta figura que é toda entrega, cuidado e amor pro outro?
A genitora, que agora (ou sempre?) queria ser mãe, vociferava, ameaçava, falava na linguagem da rua, sua velha conhecida. Aquele linguajar e aquele tom, no entanto, só conseguiam condenar seu projeto de se mostrar potencialmente mãe: era o nono filho que lhe roubavam, gritava ela. Era o nono bebê que ela tentava vender, dizia a vizinhança da quase futura mãe.
Sua luta era vã. Não seria ainda mãe. Não naquele momento, não daquela forma. Ela prometera, no entanto, que iria parir quantos bebês fossem necessários até que pelo menos um pudesse ser seu e que ela finalmente pudesse tornar-se mãe e tudo o mais que aquilo pudesse significar.

Um comentário:

  1. Forte...senti esse elo quando minha filha nasceu, pensei: como pode alguém abandonar uma criaturinha dessas? A gente nunca sabe quando o amor nos pega em cheio...

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