Era uma mãe em permanente estado
de angústia. Antes, por ver seu filho enveredar por um caminho perigoso,
infracional. Depois, por vê-lo magoado consigo, negando-se a manter contato com
ela e a entender sua decisão. A atitude do filho não era o que mais doía, no
entanto. As outras mães, vizinhas, amigas e também aquelas que participavam com
ela dos grupos de família propostos pelo serviço onde os jovens iam responder
pelos atos cometidos, quase em uníssono, apontavam-lhe o dedo: “Que mãe é essa,
capaz de denunciar o próprio filho?!?”. Lavada em lágrimas, ela tentava
responder e justificar: “O que mais eu poderia ter feito? Será que eu deveria
tê-lo deixado seguir por aquele caminho? O que seria dele hoje?”
Todo mês era assim, ela ia para o
grupo, expunha sua história e se tornava o foco do debate. A temática planejada
para aquela atividade se perdia; todas queriam opinar, julgar, condenar... “Que
mãe é essa?!?”. Ela permanecia indo religiosamente, não faltava nunca, como se
fora uma autopunição, como se precisasse daquilo para sentir-se castigada por
ter chamado a polícia para prender o filho. Ela mesma não tinha qualquer
convicção da decisão tomada e parecia ansiar por aquele momento, como se
necessitasse ser condenada junto com ele.
Diante daquilo, a única medida
era resgatá-la do grupo, tirá-la dali e trazê-la para os atendimentos
individuais. Nestes, as mesmas lamentações: “O que mais eu poderia ter feito?”.
Clamava por uma resposta ou talvez quisesse que também a profissional desse-lhe
sua dose de penitência. Presa em um ciclo que ia desde o questionamento de um
modelo ideal de mãe ao comportamento infracional do filho, repassando
infinitamente pelos comentários recebidos, ela não conseguia sair do lugar e
era impossível elaborar toda aquela dor e toda aquela dúvida: “até os policiais
me olharam estranho – dizia ela – quando entenderam que era meu filho que eles
deveriam levar”. Não sei até hoje se esses olhares doíam mais ou menos que o
olhar do filho, suplicante, que pedia para ela não deixar os policiais o
levarem, prometendo mudar.
Já ele, o filho, passou uma noite
detido na delegacia. Noite decisiva, contava ele: “Como ela foi capaz de chamar
os polícia e me deixar ser levado por
eles?”. O sentimento de desamparo sentido naquela noite o assombrava e sustentava
sua nova postura de inimigo da mãe, logo ele que a amava tanto, que a venerava.
Depois passou pelas audiências de onde saiu a decisão de que deveria cumprir
medida socioeducativa por seis meses. Ele estava inconformado, era como se ela
tivesse tornado público um problema que eles podiam resolver na privacidade
familiar, como se não concernisse a todas aquelas instituições entrar no jogo.
Diferente dos outros, ele não
tinha rodado por vacilo. A polícia não o pegou em flagrante, mas ele havia
sofrido uma traição por parte da pessoa em quem ele mais confiava. O sentimento
parecia ser o de uma mágoa profunda pela traição, por ter se visto sem poder se
defender, por ter sido pego de guarda baixa. Aquilo lhe parecia imperdoável. A
relação anterior e o sentimento que nutria por ela, no entanto, estava ali
latente e ele, mais rapidamente que ela, ia conseguindo elaborar tudo aquilo: “eu
fiz muita besteira, maltratei muito ela, fiz ela sofrer” e bem aos poucos, ia
concluindo ter merecido a medida tomada pela mãe.
Quase disfarçadamente, foi se
reaproximando dela. Não fez as pazes explicitamente, não fez nenhum discurso bonito
nem disse que a perdoava. Esses roteiros emocionantes cabem no cinema, nas
novelas, mas na vida as palavras às vezes são excesso. Como o filho pródigo,
ele vai retornando ao lar, ao colo que sempre fora seu. Ela, do seu lugar de mãe
– dessa vez, uma daquelas mães que povoam nosso imaginário – não questionou,
não comentou nada, só aceitou seu retorno e foi recebendo o filho de volta ao
seio familiar, aquele filho de antes.
Cada um por sua vez, nos grupos e
nos atendimentos individuais, foi mostrando mais leveza. A angústia dela foi se
dissipando ao mesmo tempo em que a mágoa dele não encontrava mais seu alvo. As
lágrimas dela foram ressignificadas e passou a chorar emocionada. Sua dúvida
não existia mais, pois agora ela estava orgulhosa da mãe que fora e da difícil
decisão que tomara: “Ah, se todas as mães tivessem a coragem e a atitude que eu
tive!”. Ele, também orgulhoso, sente até gratidão por ela e com a
namorada/esposa grávida, quer ser o pai que não teve e cujo papel afirma ter
sido assumido por sua mãe que, grandiosa, foi pai, foi mãe e foi amiga.
Às vezes encontramos finais
felizes. Como todos eles, esse aqui não é diferente e oculta todo um futuro que
continuou se processando, um futuro que certamente contou com novos conflitos, outras
dores e problemas que não mais nos alcançaram. O mérito? Se meu, se deles ou se
das contingências da vida, vai saber... Só é bom lembrar dessas histórias e
acreditar que a gente não está a toa por aqui.